quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Top 5

Há uma série de textos escritos por economistas mais ou menos ligados ao mainstream que, quando lidos, me fazem pensar que nem tudo está perdido.

Refiro-me àqueles artigos em que estes economistas demonstram uma fina ironia em relação às práticas dominantes na profissão. Textos como "Life among the Econ", do Leijonhufvud ou "The Theory of Interstellar Trade", do Krugman, pra citar apenas dois exemplos que certamente estão entre os melhores do gênero.

Há um texto novo na praça que vai na mesma linha e propõe a definição de uma nova moléstia. Com o título de "Top5itis", foi escrito por Roberto Serrano, um professor de microeconomia da Brown University, e pode ser baixado no site da SSRN

Não chega a ser tão hilário quanto os outros dois que mencionei acima, mas mesmo assim a leitura do texto provocou algumas boas risadas, seguidas da constatação desolada de que, em meio às epidemias de zika e febre amarela, há um bom número de vítimas locais desta nova enfermidade que também merecem a atenção dos nossos órgãos de saúde pública.


segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Previsões, ciência e economia

A maioria das pessoas não hesitaria em reconhecer como uma das características distintivas do conhecimento científico o seu sucesso preditivo, a capacidade que a ciência tem de produzir previsões corretas sobre o comportamento do mundo a partir de um conjunto determinado de leis ou hipóteses.

Costumo tomar este ponto como mote para dar início aos cursos de metodologia da economia que vez por outra leciono. A provocação consiste em fazer com que os alunos vejam que, por este critério, dificilmente poderíamos considerar a economia uma ciência, pois são frequentes, reiterados e excessivos os erros das projeções feitas com base nos mais "renomados" modelos econométricos.

O objetivo da provocação não é pura e simplesmente desabonar a economia, mas por em questão o modo como nos acostumamos a pensar a ciência, a definir o que é científico ou não, mostrando que boa parte dos critérios usualmente adotados para definir o que é ciência não se sustenta, não fica de pé após um exame, mesmo que ligeiro. Se a economia tal como é praticada é ou não uma ciência, continua a ser uma boa questão, mas a resposta não pode prescindir de uma definição segura do que torna um conhecimento qualquer passível de ser considerado científico. E, ao contrário do que pensam o senso comum e os economistas, esta questão está longe de ter uma resposta simples ou clara, que é o que procuro mostrar ao longo do restante do curso.

Mas, volta e meia alguma aluna mais esperta esbarra na pergunta que não quer calar: se a economia fracassa tanto do ponto de vista preditivo, por que é que os economistas continuam usando seus modelos com fins preditivos? E, mais ainda, por que é que empresas, bancos e governos continuam empregando economistas (mas também engenheiros, físicos e matemáticos) pra produzirem previsões sobre, digamos, a taxa de juros ou de câmbio que prevalecerá daqui a dois ou três anos? (isso pra ficar em exemplos de previsões corriqueiras e aparentemente pouco ambiciosas, mas em relação às quais os erros são abundantes e habituais).

A resposta a estas questões renderia um outro curso, que eu nunca ofereci. Ou, melhor ainda, renderia um amplo projeto de pesquisa. Não pude deixar de pensar nisso quando, hoje, esbarrei neste texto do Arrow, um trecho que eu ainda não conhecia e que está citado neste post do Lars Syll. Ele poderia muito bem servir de mote pra um curso ou pesquisa deste tipo:
"It is my view that most individuals underestimate the uncertainty of the world. This is almost as true of economists and other specialists as it is of the lay public. To me our knowledge of the way things work, in society or in nature, comes trailing clouds of vagueness (…) Experience during World War II as a weather forecaster added the news that the natural world as also unpredictable. An incident illustrates both uncertainty and the unwillingness to entertain it. Some of my colleagues had the responsibility of preparing long-range weather forecasts, i.e., for the following month. The statisticians among us subjected these forecasts to verification and found they differed in no way from chance. The forecasters themselves were convinced and requested that the forecasts be discontinued. The reply read approximately like this: ‘The Commanding General is well aware that the forecasts are no good. However, he needs them for planning purposes.’"



sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Pedro Nava

Num dia primeiro de fevereiro como hoje, há exatos 50 anos, Pedro Nava deu início a redação de Baú de Ossos, o primeiro dos seis volumes de memórias que publicou entre 1972 e 1983 (um último volume, o sétimo, restou inacabado e só foi publicado depois de sua morte).

Naquele dia, Nava contava 64 anos de idade. Médico renomado, sua produção literária resumia-se a uns poucos poemas publicados em revistas, alguns deles recolhidos na famosa antologia de poetas bissextos organizada pelo Bandeira. Tinha escrito também dois volumes de estórias e história da medicina. Mas foi a publicação das memórias que consagrou seu lugar único entre os autores de literatura brasileira.

As duas coisas são difíceis de entender: que ele tenha publicado tão pouco por tanto tempo, e que tenha feito uma obra tão fina e grandiosa em tão poucos anos. Aquele primeiro de fevereiro foi, por assim dizer, um divisor de águas e é um dia a ser comemorado.


Pedro Nava (foto de Luiz Carlos Murauskas - 20.mar.84 / Folhapress)